|
|
|
|
DELENDA PERIMETRAL
Eng. Emílio
Ibrahim (*)
"O
prolongamento do elevado da Perimetral dará ensejo a que se
descortinem as fachadas leste e norte do imponente mosteiro de São
Bento com o seu famoso botaréu"
Lúcio Costa
Principio por
transcrever, em epígrafe, o depoimento abalizado e entusiástico
do nosso maior urbanista, o criador de Brasília e membro
ilustre do Conselho Superior de Planejamento Urbano, do antigo
Estado da Guanabara, do qual orgulhosamente participei,
quando,Secretário de Obras do Estado da Guanabara, tive
participação ativa em numa série de
expressivas transformações urbanísticas da
cidade. Na realidade, em documento que me foi enviado, nos idos de
70, Lúcio Costa incluiu a construção da
Perimetral entre projetos que vieram a seu ver, "presentear a
cidade com novas perspectivas urbanas que darão o devido
destaque a mais quatro preciosos testemunhos do nosso passado
colonial".
Resgato essa manifestação
inequívoca de Lúcio Costa em favor da Perimetral
como um contraponto à insensatez da realização
de um projeto de demolição desse viaduto, medida
inserida no planejamento da Prefeitura do Rio, entre as que visam
à revitalização da sua área portuária.
Mas, até o senso comum dos leigos, já se apercebeu
de que esse desiderato do prefeito, tão amplamente
externado, se efetivado, conduziria a um transtorno viário
irremediável, antevisto pela população, haja
vista à reiterada condenação pública,
manifestada nos veículos da imprensa e da mídia
eletrônica.
É indispensável
ressaltar-se que a construção do elevado da
Perimetral resultou da "sui generis" localização
topográfica da cidade do Rio de Janeiro, desenvolvida entre
o mar e a montanha, gratificando-nos com o privilégio de
desfrutarmos de inigualável beleza, mas, em contrapartida,
devemos reconhecer que essa situação agrava muito os
problemas de interligação dos diversos pontos da
cidade.
|
A vista parcial do trecho
da Perimetral - Praça XV - Praça Mauá Dá
ensejo a que se descortinem setores históricos, inclusive
as fachadas leste e norte do imponente mosteiro de São
Bento. |
Muito menos por um
sentimento de preservação de uma obra, de cuja
paternidade me tornei partícipe, ao dar continuidade à
execução de um projeto retomado após 15 anos
de interrupção, e mais por um dever de manutenção
dum princípio de racionalidade técnica, e de
preservação de uma via que desempenha um papel
fundamental e indispensável na vida da cidade, associo-me,
incondicionalmente, ao clamor da comunidade carioca em repúdio
a esse injustificado projeto.
Está patente
que os objetivos atingidos pela obra da perimetral, que se impuseram em face do
congestionamento, já àquela época, das vias
urbanas existentes, marcadas pela inviabilidade de possibilidades
exequíveis de ampliação, visaram a
estabelecer a conexão das zonas Norte e Sul da cidade,
criando a alternativa de implantação de uma via
expressa, com a eliminação da compulsória
passagem pelo Centro.
É importante
registrar-se que o repúdio a esse projeto da Prefeitura não
se restringe à manifestação da população
da cidade, mas tem o respaldo de técnicos e estudiosos dos
problemas urbanísticos do Rio, de que nos dá mostra
a opinião respeitável da arquiteta Ana Luiza Nobre,
professora de Teoria e História da Arquitetura, da PUC-RIO,
ao enfatizar a inviabilidade técnica e econômica
dessa demolição, asseverando que: "... a
Perimetral comporta atualmente um fluxo diário de veículos
cujo escoamento, na sua ausência, exigirá obras
colossais, extremamente penosas e custosas para a cidade. A
Perimetral seguiu o modelo dos corredores viários elevados
construídos no pós-guerra em grandes centros urbanos
do mundo todo, visando à criação de
alternativas para o crescente tráfego motorizado e
particular". E arremata seu pensamento da seguinte forma: "...
ela também acabou presenteando o Rio com novas perspectivas
urbanas. E essa "surpreendente dádiva", salvo
engano, quem primeiro percebeu foi Lúcio Costa".
Impende ressaltar-se
que o elevado da Perimetral é, até hoje, na área,
a solução adequada para o desafogo urbano de nossa
cidade. Nasce na Praça XV, coração urbano do Rio de
Janeiro e proporciona a ligação expressa aos
importantíssimos eixos viários: Ponte Rio-Niterói
e Av. Brasil. A sua indiscutível utilidade é similar
à do elevado sobre a Av. Paulo de Frontin, também
criticado à época, mas que com prolongamento sobre a
R. Figueira de Melo (em duas pistas superpostas) até
atingir o Campo de São Cristóvão,
constituindo-se em parte significativa da Linha Vermelha, permitiu
que, do Leblon, se atinja o Aeroporto Tom Jobim, em até
meia hora.
Impõe-se, também,
avaliar se haveria racionalidade no sacrifício das indiscutíveis
vantagens dos benefícios que a Perimetral presta, maciçamente,
aos cariocas, em proveito de um contestável ganho de uma
visão panorâmica, que a solução de
construir-se um túnel, em certos aspectos, também não
viria contribuir para assegurá-la aos que por ele
transitassem. Ao contrário, o panorama visto do elevado é
seguramente muito mais abrangente, sem incorrer- se em possíveis
transtornos de eventuais alagamentos e congestionamentos mais freqüentes.
É, por exemplo, patente a repercussão negativa, até
hoje recorrente, da demolição do Palácio do
Monroe, em nome de critérios insubsistentes de ampliação
da visão paisagística da Cinelândia...
Creio, no entanto, que
não são soluções excludentes para o
desafogo do trânsito. Nada obsta a que se estude a
possibilidade de construção do túnel, com o
propósito específico de ligação direta
da Praça XV à Praça Mauá,
conservando-se a via expressa da Perimetral, alternativa que muito
poderá contribuir para a necessária e oportuna
implantação do projeto do Porto Maravilha, que
abrangerá a revitalização de uma área
de cinco milhões de metros quadrados, com a construção
prevista de edifícios de cinquenta andares, e com a
possibilidade de construção de hotéis, escritórios
e residências.
Em suma, a insistência
em viabilizar esse projeto faz-me lembrar a célebre expressão
"Delenda Carthago", reiteradamente invocada por Catão,
o Ancião, no antigo senado da Roma imperial, a quem a
tomamos de empréstimo, adaptando-a, no título deste
depoimento, que, ao longo do tempo, passou a ter a conotação
de retratar a ideia fixa que se tenha sobre alguma coisa, e que se
tente realizá-la por todos os meios, com a teimosia da qual
não se desiste. Prefiro socorrer-me dos versos do príncipe
dos poetas brasileiros, Olavo Bilac, em seu monumental poema "Defenda
Carthago", que evoca a resistência cartaginesa, nas
guerras púnicas, com a imprecação de que : "Enquanto
eu tiver vida, juro que não será Catthago demolida."
Substituamos, portanto, "Delenda Perimetral" por "Defenda
a Perimetral" !
(*) Ex-Secretário
de Obras dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, 19 de
janeiro de 2012.
|
|
|
|
|