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Lembrando Carlos Lacerda
Emílio
Ibrahim
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"Eu por mim não
gostaria que o período brasileiro em que me coube viver
houvesse transcorrido sem a presença de Carlos Lacerda
no quadro político nacional a que ele trouxe uma vibração
inesquecível como agente vigoroso de grandes transformações".
Carlos
Drumond de Andrade |
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O próximo dia 30 de abril
marcaria o aniversário de 90 anos do saudoso homem público
e estadista Carlos Lacerda, se, prematuramente, falecido aos 63
anos, não se houvesse produzido com esse inopinado
desenlace um enorme vácuo que privou o nosso paÍs de
uma das mais fulgurantes figuras de político, jornalista,
escritor, tribuno, e, surpreendentemente para muitos, o maior
administrador do Rio de Janeiro. Na verdade, a sua extraordinária
capacidade dialética, que o tornou inexcedível na
arte de contestação e do exercício patriótico
de profligar as mazelas nacionais, não permitia antever-lhe
as qualidades construtivas que acabou por revelar ser um exímio
governante, de que nos deu sobejas mostras ao dirigir o então
Estado da Guanabara. A maioria custou a acreditar que a figura ímpar
desse polemista e controvertido político viesse a
deslumbrar os seus contemporâneos e deles obter inegável
e merecido reconhecimento, mercê da eficiência,
operosidade e decência no trato da coisa pública.
Carlos Lacerda foi,
indubitavelmente, uma personalidade multifacetária, que,
notadamente nas quadras de suas adversidades políticas,
transitou pelas atividades literárias ficcionais, seja como
memorialista (e a sua obra "A casa de meu avô" é
um exemplo) seja nas funções de contista, teatrólogo
e cronista, que teve a reverenciá-lo os depoimentos de
grandes expoentes das letras brasileiras, como Carlos Drumond,
Tristão de Ataíde, Gilberto Freire, Paulo Rónai,
Josué Montelo e Ayres da Mata Machado, entre tantos outros.
E não se conteve em, exclusivamente, dar a lume as suas
produções literárias, mas criou uma editora,
que publica obras nacionais e estrangeiras, constituindo-se hoje
um dos pilares da difusão de livros no Brasil.
Não menos marcante, porque
representou, por toda a vida, um sacerdócio diário,
foi a sua atividade jornalística, desenvolvida em vários
periódicos brasileiros, culminando por fundar seu próprio
órgão de imprensa, até hoje um importante veículo
formador da opinião pública nacional. Aí, o
destemor, a defesa intransigente das causas nacionais, por vezes,
a rudeza de suas campanhas políticas, a exuberância
de seu estilo jornalístico e a veemência de suas
opiniões taxativamente expostas sem subterfúgios nem
dubiedades fizeram-no acreditado pelo povo, que nunca lhe negou o
voto para o exercício de mandatos parlamentar e executivo.
É inquestionável, no
entanto, que a faceta mais marcante da personalidade desse gênio
da raça brasileira, pela insuspeitada crença de que
ele fosse capaz de exercê-Ia, foi a sua vocação
de competente e eficaz administrador público, com
comprovada e impecável atuação à
frente do governo do então Estado da Guanabara, até
hoje insuperável por todos os que o sucederam. Na
realidade, Lacerda não deixou intocável um só
dos setores da administração, cujos problemas agudos
desafiaram a sua capacidade de planejar e a sua inventiva na busca
e adoção de soluções adequadas. No
sentido de não tornar gratuita essa afirmação,
permitimo-nos listar os empreendimentos de maior significação
de seu governo, num rol de realizações que se
inscreveu para sempre como um novo, eficiente e moralizador estilo
de gestão da coisa pública neste país:
- Construção da 2ª
Adutora do Guandu, considerada a "Obra do Século",
em defesa da qual amargou a adversidade e a ação
negativa do governo federal, por exclusivas razões de
cunho partidário.
- No setor viário, a
construção do Rebouças, o maior túnel
urbano do mundo, e do túnel Rubens Vaz; o término
do túnel Santa Bárbara há 14 anos
inconcluso; a implantação dos viadutos dos
Fuzileiros, Marinheiros, DeI Castilho, Cintra Vidal João
XIII, Laranjeiras, Lagoa, Cosme Velho, Rio Comprido, Benfica, e
o Park-way Faria Timbó.
- Contratação do
famoso urbanista grego Doxíadis, que apresentou um Plano
de Urbanização, do qual resultou a concepção
das vias expressas denominadas linhas policrômicas
(vermelha, amarela, verde, etc) e elaboração de
projeto da estrada litorânea Rio - Santos, num traçado
que se desenvolve numa das regiões panorâmicas mais
belas do mundo.
- A conclusão das obras do
Estádio do Maracanã, a criação do
Fundo de Garantia do Atleta Profissional - FUGAP, e a recuperação
do Teatro Municipal, realizações que tivemos a
honra de dirigir.
- Dentre incontáveis obras
de reurbanização, a construção do
maior parque urbano da América do Sul, com 1.200.000 m2
de área, no Aterro do Flamengo; do Parque Ari Barroso na
Penha; do Parque Lage, preservado e tornado acessível ao
público; da recuperação da Quinta da Boa
Vista, do Jardim Zoológico e das praias de Ramos, Cocotá,
Botafogo e FIamengo, bem como o asfaltamento de 830 km de ruas
da cidade e o lançamento de 700 km de esgotos sanitários.
- A área cultural foi
aquinhoada, entre outras, com a construção da Sala
Cecília Meirelles e do Museu da Imagem e do Som.
- No campo da política
habitacional, a construção das Vilas Kennedy,
Aliança e Esperança, que possibilitou a aquisição
de casa própria a 44.000 ex-favelados, e dos conjuntos
residenciais de Marquês de São Vicente, Álvaro
Ramos e Santo Amaro e conclusão do de Vila Isabel.
- Remoção parcial de
16 e total de 12 favelas, com remanejamento de 5.966 famílias,
merecendo registro a transformação da favela do
Esqueleto no "campus" da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro - UERJ e o desmonte da favela do Pasmado, medidas
corajosas que caracterizaram uma política eficaz, que se
não houvesse sofrido solução de
continuidade, sem dúvida os graves problemas de segurança
que hoje afligem a população carioca não
teriam atingido o grau de calamidade a que hoje assistimos.
- O setor de Educação
foi contemplado com a criação da Fundação
Otávio Mangabeira - FOM, que propiciou a construção
de 230 escolas de nível primário, abrigando
446.844 alunos, e de 40 ginásios de ensino médio,
acrescendo-se 53.726 postos de matrícula, a par da
concessão de 43.000 bolsas escolares e 3.195 matrículas
no ensino normal.
- Criação da Cia. de
Transportes Coletivos - CTC, com recuperação de
160 ônibus elétricos, aquisição de
400 ônibus Diesel e racionalização do trânsito
de veículos, projeto que teve repercussão
internacional.
- Implantação da
CETEL, cobrindo área majoritária da cidade não
atendida pela concessionária, Cia. Telefônica
Brasileira, e criação da Cia. Progresso do Estado
da Guanabara - COPEG, que proporcionou auxilio financeiro a 121
indústrias e emprego a milhares de trabalhadores
cariocas.
- Na área da Saúde,
um substancial aumento de 1.309 leitos, resultante da construção
de novos anexos dos hospitais Miguel Couto, Souza Aguiar,
Moncorro Filho, Getúlio Vargas, Rocha Faria, Salgado
Filho, Oliveira Kramer, Instituto de Cardiologia Eduardo Rabelo
e Maternidade Herculano Carneiro, obras secundadas pela reforma
em toda a rede hospitalar do Estado.
- Recuperação econômico-financeira
do antigo Banco da Prefeitura, transformado em Banco do Estado
da Guanabara - BEG, na época, a oitava instituição
bancária do país, tendo sido construído um
moderno prédio para sua sede e instaladas 36 agências,
com filiais em São Paulo, Belo Horizonte e Niterói.
- Remodelação do
corpo marítimo de salvamento e modernização
dos equipamentos do Corpo de Bombeiros.
- Construção de
usinas para industrialização do lixo, em Bangu e
Irajá, e substituição da frota de veículos
coletores de lixo, possibilitando a normalização
dos serviços de limpeza pública.
- No campo administrativo, foram
implantadas as Regiões Administrativas, visando a um
processo de descentralização da gestão
governamental; foi adotada a oficialização da
Justiça e estabelecido o sistema de mérito no
Estado, com a realização de mais de 200 concursos
para ingresso no Serviço Público Estadual, tendo
sido criada para isso, a Fundação Escola do Serviço
Público - FESP.
Evidentemente, o registro dessas
realizações não exaure o acervo de ações
que representaram a defesa dos interesses e o atendimento das
necessidades do povo carioca, mas dão a medida exata da
probidade e eficácia da gestão de Carlos Lacerda à
frente do executivo estadual. E é em razão desse
extraordinário desempenho de Carlos Lacerda, associado a
toda uma existência de luta e defesa das causas nacionais
que, colaborador de sua obra, em funções técnicas
e administrativas, nos associamos, com muito orgulho, às
manifestações de carinho e saudade, ao ensejo de
mais um aniversário desse ilustre brasileiro, de quem damos
o testemunho e creditamos-lhe o reconhecimento por haver sido uma
extraordinária e fulgurante figura na vida pública
brasileira.
Por tudo o que aqui expusemos,
Lacerda tomou-se credor da admiração e respeito do
povo brasileiro, sendo triste e acabrunhante vermos transformar-se
hoje em utopia a sua crença, difundida por ele anos afora,
de um Brasil imune a todas essas ' mazelas políticas e
morais, que ainda maculam a nossa pátria. Daí, ser
oportuno e atual a conclamação que fazemos às
novas gerações de tê-lo como exemplo
edificante de homem público e impenitente amante do Rio de
Janeiro e do Brasil.
Tribuna da Imprensa, de 29 de
abril de 2004.
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