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Administração Pública
- Contradições e Objetivos
Emílio
Ibrahim
A tendência, ainda corrente,
de considerar a administração de empresas como
modelo para a administração pública ignora
que os multifacetários fenômenos sociais devem ser
submetidos a uma visão integrada e abrangente, levando em
conta outras variáveis, em geral consideradas irrelevantes
ou que, simplesmente, escapam à ótica e às
cogitações de uma perspectiva puramente empresarial
e privatista.
Tal orientação teria
como injusto pressuposto atribuir os problemas da administração
pública à falta de políticos e funcionários
capazes de conduzir adequadamente as repartições
governamentais. Daí o eventual surgimento do tecnocrata, na
expectativa de obter-se, mediante sua eficiência, a eficácia
de que muitas vezes se ressentem os serviços públicos.
Nesse novo âmbito,
entretanto, o tecnocrata já não pode limitar-se à
sua matéria e contentar-se apenas em dominar as suas
habilidades e os seus procedimentos. A administração
pública é função do social e do político,
fatores inseridos na cultura da comunidade e imperceptíveis
à luz de simples critérios de resultados e de
lucratividade.
Onde os juízos de desempenho
forem intangíveis, como o são as opiniões e
emoções políticas, a aprovação
ou a desaprovação da comunidade, a mobilização
das energias da população e a estruturação
das relações de poder, não é provável
que esse tipo de administrador se sinta à vontade. É
duvidoso que tenha respeito pelos valores que realmente importam,
e é bastante improvável, portanto, que tenha competência
(Administração, P.F. Drucker, pág. 379).
As ambigüidades sociais, os
problemas de custo/benefício e trade-offs, onde a eliminação
de um impacto, além de um determinado nível, custa
mais em dinheiro e energia do que o beneficio alcançável,
a transformação de problemas sociais em
oportunidades para contribuição e desempenho dizem
respeito, pois, muito de perto à sensibilidade e experiência
anterior do administrador público, tornando muitas vezes
frustrantes as incursões de bem sucedidos técnicos
de outras áreas no desenvolvimento e solução
de questões de interesse público e comunal.
O administrador público
precisa ser um líder dinâmico e um artesão
para, com sua permanente presença, aceitar as
responsabilidades sociais que lhe incumbem, inclusive a de tornar
eficazes as energias humanas disponíveis. O servidor público,
por sua vez, não deve ser encarado como um problema, um
custo ou uma ameaça, potencialmente gerador de crises, mas
como recurso valioso, a ser motivado e utilizado convenientemente,
cuja ociosidade eventual deve ser atribuída à falta
de solicitação adequada e de definição
de tarefas parciais específicas. Em administração,
sabe-se que de todos os recursos os menos utilizados são as
pessoas e que em qualquer organização pouco do
potencial humano é realmente posto em atividade.
Confesso que, ao longo de minha
carreira de administrador público, não tive maiores
dificuldades em recrutar no próprio serviço público
os meus mais preciosos auxiliares, formando equipes responsáveis
pelo desenvolvimento e condução de obras e serviços
complexos, considerados na época problemáticos e
insuperáveis, como foram os casos dos elevados Paulo de
Frontin e Perimetral (pioneirismo, no país, em estruturas
metálicas) ou o emissário submarino de Ipanema
(pioneirismo, no país, em lançamento de efluentes no
mar). Basta criar um clima próprio de trabalho, inclusive
pelo exemplo e atuação da liderança, para
elevar os padrões de eficiência e fazer com que as
pessoas se sintam motivadas, satisfazendo seus anseios individuais
de desempenho. Não há maus servidores, há,
muitas vezes, isto sim, maus chefes ou, ainda, ausência de
fiscalização e de controle nos serviços. Tudo
se resume, bem examinado o problema, em uma questão de
justiça, de exemplo, de respeito recíproco, de
amizade e, principalmente, de patriotismo.
A tarefa é árdua, mas
liderança confortável é uma contradição
em termos. Quem reivindica autoridade necessariamente assume
responsabilidade e somente a dedicação integral do
administrador público resolve satisfatoriamente as ambigüidades
do sistema que se contrapõem a seus objetivos.
Uma observação cabe
aqui a propósito do espírito que deve orientar as ações
do homem público: trata-se, como diria Fayol, da subordinação
do interesse particular ou de grupos ao interesse geral da
organização e, no caso da Administração
Pública, com maior razão, ao interesse geral de toda
a coletividade.
Outro aspecto que acompanhou a
ascensão do tecnocrata foi a abordagem do planejamento como
um fim em si mesmo, com o surgimento de planos teóricos, na
maior parte das vezes apenas meras intenções, que o
tempo se encarregou de desmistificar.
A reflexão constitui um prelúdio
da ação e não uma alternativa final. Entendo,
pois, o estudo teórico e a abstração com a ação
e a execução. Convém lembrar que a abstração
precede à realização, a operação
formal determina a operação concreta, e quando o
planejamento é executado prevalece a repercussão da
obra concluída, com o seu sentido social.
A reformulação do domínio
da técnica deve procurar preservar espaço essencial
para o humano, que não pode ser dissolvido no processo
tecnocrático, pois a ciência não pensa e a razão
integralmente instrumentalizada perde a visão sensível
do todo, na melhor expressão filosófica.
O que se pode postular do
administrador público é a dimensão humana, a
redução do exercício teórico à
consciência plena de que a sua atuação influirá
na vida de seres humanos, com sentimentos, ambições,
frustrações e necessidades comuns. Ou seja, a
recomposição em novas bases do humanismo, tendo o
homem como medida das ações da administração,
apoiando-se num sentido comunal que mais a aproximará do
cidadão.
A idéia do Novo Centro
Industrial Metropolitano - NCIM - envolvendo os municípios
de Nilópolis, Caxias, Iguaçu e Meriti, inserida no
contexto do Governo Chagas Freitas, marcadamente municipalista, não
teve origem, apenas, na conveniência, para as indústrias,
de sua instalação naquela região. Levou-se em
conta, como fundamento preliminar, a problemática social, a
necessidade de criar um forte pólo de empregos na Baixada
Fluminense, como redutor de tensões, evitando-se,
paralelamente, o movimento pendular de transporte, que naquela área
atinge 127 mil viagens durante o pique matutino, no percurso residência-trabalho
em direção ao Rio de Janeiro (dados Metrô). Se
com esta ação se obtém a redução
do consumo de combustíveis, o trânsito flui em
melhores condições e as atividades produtivas são
estimuladas; trata-se da aplicação prática do
principio de procurar converter problemas sociais em oportunidades
para o desenvolvimento urbano e industrial, pois atentou-se, na
verdade, antes de tudo, para o bem-estar do ser humano,
considerado em suas relações de trabalho e de família.
Se for inadiável dotar de infra-estrutura de serviços
públicos aquela região - fator determinante da ação
administrativa - por que não levá-los desde logo, em
maior escala, para o atendimento industrial, com a geração
de novos empregos e todos os demais benefícios previsíveis?
E não se tenha dúvida:
com a execução dessa estrutura básica - água,
energia e habitações populares - resultado de uma
feliz conjugação de circunstâncias,
corretamente dimensionada, mesmo sem qualquer outra providência,
ainda assim, o conseqüente e gradual desenvolvimento da área
fará surgir irreversivelmente o Centro Industrial
Metropolitano.
Nas regiões em fase de pré-desenvolvimento,
a atuação da administração pública,
diretamente, sobre problemas sociais, terá sempre seus
reflexos potencializados, nos setores econômicos e
industriais, devendo, pois, operar como critério das
prioridades a serem estabelecidas, dinamizando, por essa forma, a
redistribuição de riquezas e promovendo mais justa
seleção de investimentos. Os projetos altamente
sofisticados, de índole tecnocrática, alienados do
contexto humano e da presente verdade social, constituem requintes
de áreas desenvolvidas, que já ultrapassaram a fase
de prover para sobreviver e ingressaram nas contradições
de filosofar sobre viver bem.
Jornal do Brasil, em 16 de
outubro de 1980.
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