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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
X POLÍTICA
* Emílio
Ibrahim
Este tema configura-se como um
falso postulado que situa as duas atividades - Administração
Pública e Política -como dicotômicas, na
medida em que explora a crença de que o exercício do
poder público e a arte de fazer política representam
funções inconciliáveis com o cumprimento do
dever de defesa dos interesses das comunidades. Na realidade, a
distorção que existe é motivada pelo indevido
usufruto do poder em proveito próprio ou de facções
políticas, o que representa uma inversão manifesta
do salutar princípio da ética na administração
dos negócios governamentais, resultando em negar-se a
preponderância dos interesses públicos em detrimento
dos interesses privados, uma forma explícita de insensatez
política, considerada filha do poder político.
Já Lorde Acton afirmava
categoricamente que o poder corrompe, não sendo perceptível
a muitos que o poder alimenta a insensatez, que o poder de mando
frequentemente faz o pensamento falhar e que a responsabilidade no
poder muitas vezes esmaece proporcionalmente ao seu exercício.
Em nosso país, a afirmativa de Acton constitui em todos os
níveis de governo, um sovado e comprovado truísmo. A
regra básica é a de que a responsabilidade
preponderante no poder é a de governar tão
razoavelmente quanto possível em benefício do Estado
e de seus cidadãos. Aqui cabe, a propósito do espírito
que deve orientar as ações do homem público,
a feliz observação de Fayol de que deve
inapelavelmente haver a subordinação do interesse
particular ou de grupos ao interesse geral da organização
e, no caso da Administração Pública, com
maior razão, ao interesse geral de toda a coletividade.
Fenômeno observável ao
longo da História, que não se atém a lugares
ou períodos, tem sido o da busca, pelos governos, de políticas
contrárias aos seus próprios interesses. Ao que tudo
indica, quando se trata de governar, essa incongruência
apresenta resultados bem menos brilhantes do que os obidos em
outras atividades humanas. É deveras intrigante por que os
homens com poder de decisão política tão
frequentemente agem de forma contrária àquela
apresentada pela razão e que os próprios interesses
em jogo sugerem. Por que o processo mental da inteligência,
também com frequência, parece não funcionar?
É evidente que todos os
erros governamentais são contrários aos seus próprios
interesses, a longo prazo, mas podem, temporariamente, fortalecer
determinado regime. Só se qualificam como insensatez política
quando, de forma irrecusável, têm persistência
maligna, provadamente inoperante ou contraproducente. Exemplo clássico
de governante que reconheceu e teve a necessária e heróica
decisão de mudar, em razão de a sua polítia não
estar servindo aos verdadeiros e supremos interesses de seu povo,
foi o do presidente do Egito Anuar Sadat, que abandonou a estéril
inimizade com Israel e buscou, desafiando afrontas e ameaças
de países vizinhos, um relacionamento em outras bases.
Tanto em termos de risco como em vantagens, isso representou um
ato de grandeza, na medida em que substituiu por coragem e bom
senso o estúpido negativismo de idos anteriores. Sadat
cresceu na História, uma figura solitária em nada
diminuída na subsequente tragédia de seu
assassinato.
A verdade é que não
devem ser consideradas antagônicas as atividades de caráter
político com as estritamente caracterizadas como de
Administração Pública. Nem é de
sustentar-se o exagero de considerar-se a administração
de empresas como modelo para a Administração Pública,
ignorando-se os multifacetários fenômenos sociais que
devem ser submetidos a uma visão integrada e abrangente,
levando em conta outras variáveis, em geral consideradas
irrelevantes ou que simplesmente escapam à ótica e às
cogitações de uma perspectiva puramente empresarial
e privatista.
Tal orientação teria
como injusto pressuposto atribuir os problemas da Administração
Pública à falta de políticos e funcionários
capazes de conduzir adequadamente as repartições
governamentais. Daí o eventual surgimento do tecnocrata, na
expectativa de obter-se, mediante sua eficiência, a eficácia
de que muitas vezes se ressentem os serviços públicos.
Nesse novo âmbito, entretanto, o tecnocrata já não
pode limitar-se à sua matéria e contentar-se apenas
em dominar as suas habilidades e os seus procedimentos. A
Administração Pública é função
do social e do político, fatores inseridos na cultura da
comunidade e imperceptíveis à luz de simples critérios
de resultados e lucratividade.
O administrador público
precisa ser um líder dinâmico e um artesão,
para com sua permanente presença aceitar as
responsabilidades sociais que lhe incumbem, inclusive a de tornar
eficazes as energias humanas disponíveis. O servidor público,
por sua vez, não deve ser encarado como um problema, um
custo ou uma ameaça, potencialmente gerador de crises, mas
como recurso valioso a ser motivado e utilizado convenientemente,
cuja ociosidade eventual deve ser atribuída à falta
de solicitação adequada e de definição
de tarefas parciais e específicas. O que se pode postular
do administrador público é a dimensão humana,
a redução do exercício teórico à
consciência plena de que a sua atuação influirá
na vida de seres humanos, com sentimentos, ambições,
frustrações e necessidades comuns, ou seja, a
recomposição em novas bases do humanismo, tendo o
homem como medida das ações da Administração,
apoiando-se num sentido comunal que mais se aproximará do
cidadão. Dizia o Papa João Paulo II que: "Toda
atividade política nacional e internacional procede do
homem e para o homem; caso ela se separe dessa relação
e finalidade, converte-se, de certo modo, em um fim em si mesma e
perde a sua razão de ser". Esta, enfim, é a
feliz conjugação da Polícia, como ciência
e como prática, inerente à Administração
Pública, e justificadora de seus altos ideais e objetivos.
Confesso que, ao longo de minha
carreira de administrador público, já
voluntariamente encerrada, não tive maiores dificuldades em
recrutar no próprio serviço público os meus
mais preciosos auxiliares, formando equipes responsáveis
pelo desenvolvimento e condução de obras e serviços
complexos, considerados na época problemáticos e
insuperáveis. Basta criar-se um clima propício de
trabalho, inclusive pelo exemplo e atuação de
liderança, para elevar os padrões de eficiência
e fazer com que as pessoas se sintam motivadas, satisfazendo seus
anseios individuais de desempenho. Tudo se resume, bem examinado o
problema, em uma questão de justiça, de exemplo, de
respeito recíproco, de amizade e, principalmente, de
patriotismo. A tarefa é árdua, mas liderança
confortável é uma contradição em
termos. Quem reivindica autoridade, necessariamente assume
responsabilidade e somente a dedicação integral do
administrador público resolve satisfatoriamente as
ambiguidades do sistema que se contrapõem a seus objetivos.
Não posso eximir-me de
acrescentar à minha formação e desempenho
profissionais a convivência salutar e edificante com o
grande Prefeito João Carlos Vital, cujos traços
fundamentais de sua forte personalidade, como a inteligência,
a honradez, o otimismo, a coragem, a bondade, a temperança,
aliados ao desassombro dos que trazem em si a força do
ideal, da fé e das suas profundas convicções,
me nortearam, ainda quando, estudante de engenharia, dando início
à minha vida pública, acompanhei de perto, na
qualidade de auxiliar de seu Gabinete, na Prefeitura do Rio, a
elaboração do famoso Projeto 1.000, de sua inspiração,
que, se posto em execução, a partir de 1951, teria
resolvido os graves problemas que o Rio já enfrentava,
muitos dos quais ainda remanescem.
Pelo plano integrado de Governo, no
antigo Distrito Federal, obras de importante significação
nele estavam contempladas, tais como, entre outras: construção
da Adutora do Guandu; aterro e implantação do Parque
do Flamengo; construção do Metropolitano e do Túnel
Rebouças; conclusão do Túnel Santa Bárbara;
construção de escolas e centros de saúde;
estudos de contenção do crescimento e remoção
de favelas; implantação das regiões
administrativas; acabamento do Estádio do Maracanã e
sua reforma administrativa. A realização dessas
obras, exceto as do Metropolitano, ainda em andamento, só
foi concretizada 14 anos depois, na profícua administração
do consagrado Governador Carlos Lacerda, postergação
que se deu em razão de veto aposto, pelo governo federal,
ao Projeto aprovado pela egrégia Câmara dos
Vereadores, provocando, lamentavelmente, o pedido de demissão
do honrado prefeito João Carlos Vital, acarretando ter sido
essa visão futura progressista comprometida pelas
incompreensões políticas da época.
Em suma, não vislumbro
contradições insanáveis entre a Administração
Pública e a Política. Em minha vida pública,
ao longo de 40 anos, sempre dediquei especial atenção
ao universo político, até como método de
trabalho. Os políticos, em sua maioria, representam justas
aspirações de áreas específicas da
comunidade e, em particular, das populações de baixa
renda, anseios aos quais, dificilmente, o administrador público
e, muito menos, a tecnologia terão acesso, sem o seu
valioso auxílio. Observe-se que esses anelos individuais ou
de pequenos grupos locais, como regra, têm custo reduzido, e
são, proporcionalmente, tão legítimos e
essenciais para os seus beneficiários, quanto as grandes
obras que visam a beneficiar a Cidade, ou o Estado como um todo.
(*) Engenheiro e
ex-Secretário de Obras e Serviços Públicos
dos Estados da Guanabara e Rio de Janeiro.
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